Esse foi meu passeio do fim de semana passado. Deixo-vos aqui uma nota sobre este belíssimo lugar!!!
Érika Melo
A igreja de São Pedro de Lourosa tem sido um dos mais incompreendidos monumentos pré-românicos em território nacional. Depois de, na primeira metade do século XX, ter sido objecto de variadíssimos estudos e referências em obras de síntese, tanto portuguesas, como espanholas, e de, mais importante, ter contado com três distintos projectos de restauro, as últimas décadas acentuaram os pretensos provincianismo, ruralidade e pouca relevância estilística da obra, percurso historiográfico descendente que, na verdade, está bem longe de corresponder à realidade.
São Pedro de Lourosa é um dos mais importantes monumentos peninsulares do século X (datado epigraficamente de 912), e o facto de ter sido construído numa área teoricamente periférica (distante dos dois grandes centros civilizacionais da altura, León e Córdoba) não deve constituir indicador de menor importância.
São vários os pontos de interesse desta igreja. A sua planta (ou o que podemos reconstituir do seu plano original) é uma derivação extremamente fiel dos modelos áulicos asturianos do século IX, com narthex (possivelmente de compartimento único correspondendo apenas ao prolongamento da nave central), corpo de três naves, separadas entre si por arcarias triplas de arco em ferradura, nave transversal com cruzeiro dominante, este separado da nave central por uma desaparecida eikonostasis (de que restam ainda os vestígios do suporte), e cabeceira presumivelmente tripartida, embora seja impossível definir, com exactidão, o traçado fundacional desta parte do templo.
Este vínculo ao mundo asturiano (de que Lourosa é um dos últimos capítulos artísticos), é reforçado por outros elementos artísticos, como a presença de modilhões de rolos (relacionáveis com os que suportam os telhados da igreja ovetense de San Julián de los Prados), um medalhão circular de decoração geométrica, o aximez moldurado que decora o alçado ocidental da nave central e, principalmente, um altar decorado com a típica cruz asturiana, peça resgatada aquando dos trabalhos de restauro mas que, posteriormente, veio também a desaparecer.
Outro ponto de interesse é a sua organização em altura, nomeadamente com a existência de uma torre sobre o cruzeiro, possivelmente com tecto interior de madeira e telhado de quatro águas, e ornamentada com um friso de arcos cegos que integraria um aximez axial (REAL, 1995), solução praticamente idêntica à que vemos em São Frutuoso de Montélios, onde ainda existem os arcos, mas cujo friso integral, descoberto aquando do restauro, nunca chegou a ser reconstruído. Embora estas torres existam no mundo cristão asturiano, os seus paralelos mais imediatos situam-se na arquitectura islâmica peninsular, confirmando-se, por esta via, a contaminação de elementos andaluzes na arquitectura do Norte cristão na viragem para o século X.
Finalmente, Lourosa evidencia-se ainda pelo seu ar classicizante, uma opção estética que, ao contrário do que tem sido repetido, não resulta unicamente da reutilização de materiais provenientes da antiga cidade romana de Bobadela. Pelo contrário, na obra do século X refizeram-se muitos materiais (aduelas almofadadas, frisos canelados, portas com lintel recto e arco de descarga de volta perfeita, etc.), ao abrigo de uma tendência estilística recuperadora do passado clássico, característica da arquitectura peninsular cristã dos séculos IX a XI e que conta com notáveis exemplos em território português: a controversa mesquita-catedral de Idanha-a-velha, ou as igrejas de Balsemão, Montélios e do Prazo, entre outros.
Profundamente remodelada nos anos 30 do século XX, altura em que Baltazar de Castro refez integralmente a cabeceira e o narthex, Lourosa não é, pois, a modesta construção moçárabe que sucessivos historiadores da arte entenderam (e entendem ainda). Ela é uma obra de vulto, dotada de um programa planimétrico e volumétrico ambicioso, devido, certamente, ao estabelecimento de colonos asturianos na bacia do rio Alva (FERNANDES, 2002).